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Jornalista, professor universitário, escritor e membro da Academia de Letras de Campina Grande.
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Outro dia eu comentei sobre a ferra do boi como sendo um momento bastante sofrido para o animal e doloroso também para os vaqueiros – homens da confiança do patrão, o lugar-tenente do fazendeiro, o substituto na ausência do dono. Eles (os vaqueiros/tangedores) eram quem cuidavam da boiada, faziam a ferra, recapturavam os fujões na mata, amansavam bezerros bravos… Figuras imprescindíveis, protagonistas de pouca posse naquele universo de séculos atrás.
Naquela oportunidade eu lembrava ainda que o vaqueiro enfrentava um dilema constante porque era ele quem, além de cuidar dos animais no pasto, dava nome aos novilhos e criava-os como se fosse um filho. E depois era esse mesmo homem bondoso quem abatia os animais, matava-os, pra tirar a carne e o couro. Mas não se livrava de uma espécie de castigo, uma punição, já que executar tais animais certamente causava-lhes uma dor profunda na alma.
Pois, esses dias, um amigo da cidade de Surubim – PE, terra das vaquejadas, me contou que uma das memórias mais fortes e tristes de sua infância é a de um vaqueiro que precisou vender um boi e levou o animal até o matadouro da cidade para ser abatido. Pelo que ele testemunhou, não se tratava de um animal qualquer, entre os dois havia uma espécie de cumplicidade, de amizade, de reciprocidade. Agora, imagina o conflito existencial desse indivíduo que precisou trocar o animal por dinheiro e ainda conduziu o bicho até o local do abate.
Pelo relato emocionado, meu amigo percebeu o desespero que se estabeleceu entre os dois. O bicho, ali diante dos marchantes, parecia saber que ia morrer. E o dono do animal estava coberto de culpa ao permitir que fizessem aquilo com ele. Na hora me lembrei de uma toada de Valdir Teles intitulada “Boi da minha estimação” e que traz logo no início os seguintes versos:
Botei luto nas cercas dos currais
Quando vi meu boi manso ser vendido
Para ser na tarimba dividido
Como fazem em muitos animais
Assisti suas dores cruciais
Vi um rio de sangue pelo chão
Como quem exigia punição
Pelo crime que eu tinha praticado
Escutei as pancadas do machado
No boi manso da minha estimação
A situação testemunhada pelo meu amigo é mais ou menos parecida com essa relatada pelo poeta Valdir Teles. Existe uma diferença que faz muito sentido. Na toada, o boi foi vendido sem precisão. O dono do animal não estaria necessitando do dinheiro adquirido com a venda. Já no caso que ouvi, estava nítida a necessidade do vaqueiro em transformar o boi de estimação em mercadoria. E o desespero se estabeleceu exatamente em virtude da amizade que ele desenvolveu pelo animal. Ali onde dezenas de bois cumpriam a sua sentença final, o animal pressentia que ia ser abatido e até enxergava um pouco de esperança no possível arrependimento de seu dono porque, embora estressado, bravo, valente… o bicho se acalmava quando o vaqueiro se aproximava e tocava nele. Nesse caso, a poesia de Valdir Teles faz a seguinte menção:
Quando via o marchante ele berrava,
Como quem tinha medo de morrer
Ou estava querendo me dizer
Que o momento do fim se aproximava
Não sabia falar, mas me olhava
Como quem me pedia proteção.
Nesta hora senti meu coração
Pelas mesmas pancadas machucado
“Jura, era de cortar o coração ver aquele cidadão com aspecto de vaqueiro, homem da roça, que não chora por nada, ficar com os olhos cheios de lágrimas ao saber que seu animal seria executado”, confessou meu amigo. Certamente aquele homem pensava nas inúmeras vezes em que esse sentimento recíproco foi compartilhado entre os dois. O quanto que aquele boi lhe serviu, lhe deu atenção, auxiliou na rotina diária… Coisas que a toada de Valdir Teles também menciona:
Toda vez que eu chegava no terreiro
Ele vinha lamber a minha mão
Me esperava na frente do portão
Como um pai quando espera um filho amado.
Tarde demais. O animal e seu dono precisavam se despedir. Um deles, o boi, morria nas mãos dos impiedosos marchantes que acertavam com força o machado na cabeça do animal… o outro, o homem/vaqueiro, morria de uma morte lenta, aquela que mata um pouco a cada dia, de tristeza, de culpa, de remorso por mandar assassinar o próprio amigo. Um drama transformado em versos pelo brilhante poeta, repentista, Valdir Teles.
Quando ele morreu eu senti dores
E também andei perto de morrer
Quando alguém perguntou: é pra vender?
Eu devia ter dito: vendo não!
Ele agora vai ter água e ração
Pelo resto da vida aposentado
Escutei as pancadas do machado
No boi manso da minha estimação.
Atenção: Os artigos publicados no ParaibaOnline expressam essencialmente os pensamentos, valores e conceitos de seus autores, não representando, necessariamente, a linha editorial do portal, mas como estímulo ao exercício da pluralidade de opiniões.
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