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Benedito Antonio Luciano

Benedito Antonio Luciano

Professor Titular aposentado do Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).

Arrumação

Por Benedito Antonio Luciano
Publicado em 2 de outubro de 2024 às 7:45

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A música “Arrumação”, de autoria do trovador-compositor Elomar Figueira Mello, é uma obra-prima, muito bem elaborada, tanto no tocante à letra quanto ao arranjo. Nela, em seu estilo característico, o talentoso artista evoca o cotidiano sertanejo numa linguagem popular arcaica e, ao mesmo tempo, erudita, rebuscada.

Essa simbiose entre o erudito e o popular é uma característica marcante na obra de Elomar, e em “Arrumação” isso fica evidente na forma como o compositor mistura esses elementos para narrar fatos de seu povo e de sua terra, por ele denominada sertão catingueiro. Seguem a letra de “Arrumação” e alguns comentários esclarecedores:

“Josefina sai cá fora e vem vê/ olha os fôrro ramiado vai chovê/ vai trimina reduzi toda a criação/ das banda de lá do ri Gavião/ chiquera pra cá já roncô o truvão/ futuca a tuia, pega o catadô/ vamo plantá feijão no pó/ Mãe Purdença inda num cuieu o ái/ o ái roxo dessa lavora tardã/ diligença pega o panicum balai/ vai cum tua irmã, vai num pulo só/ vai cuiê o ái, ái de tua avó/ futuca a tuia, pega o catadô/ vamo plantá feijão no pó/ Lũa nova sussarana vai passá/ Seda branca na passada ela levô/ ponta d’unha lũa fina risca no céu/ a onça prisunha a cara de réu/ o pai do chiquêro a gata comeu/ foi um truvejo c’ua zagaia só/ foi tanto sangue de dá dó/ os ciganos já subiro bêra ri/ é só danos, todo ano nunca vi/ paciênça, já num guento a pirsiguição/ já sô um caco véi nesse meu sertão/ tudo qui juntei foi só pra ladrão/ futuca a tuia, pega o catadô/ vamo plantá feijão no pó/ futuca a tuia, pega o catadô/ vamo plantá feijão no pó/ futuca a tuia, pega o catadô/ vamo plantá feijão no pó/ futuca a tuia, pega o catadô/ vamo plantá feijão no pó”.

Conforme se pode perceber, em “Arrumação” a letra começa com um chamado e um aviso para a personagem Josefina, ante a iminência da chuva, anunciada pelo formato das nuvens (“fôrro ramiado”) e pelo ronco do trovão, o que requer providências urgentes, no caso, reduzir toda a criação das proximidades do rio Gavião.

Nos versos “futuca a tuia, pega o catadô/ vamo plantá feijão no pó”, futuca (do tupi kutúka), significa mexer; tuia é a forma vocalizada para tulha, cômodo da casa utilizado para guardar cereais, suprimentos e fardamentas agrícolas, como o catadô (catador). Em “Mãe Purdença inda num cuieu o ái/ o ái roxo dessa lavora tardã”, a palavra cuieu significa colheu e ái roxo significa alho roxo, tipo de lavoura que demora mais que as outras para ser colhida, por isso é denominada lavoura tardã.

Prosseguindo, “diligença pega o panicum balai”, significa: apressa-te! Pega o panacum, cesto longo de boca larga, feito de cipó trançado, para ser levado nas costas, preso aos ombros ou à testa. Nos versos “vai cum tua irmã, vai num pulo só/ vai cuiê o ái, ái de tua avó”, vai num pulo só, equivale a dizer: vai rápido; e “cuiê” significa colher.

Em “Lũa nova sussarana vai passá/ Seda branca na passada ela levô”, Lũa é a forma arcaica da palavra Lua, e sussarana é suçuarana, a onça parda que levou (levô) Seda Branca, o bode pai de chiqueiro.

O verso “ponta d’unha lũa fina risca no céu” é de grande beleza! Nele, Elomar compara a Lua nova com a ponta de uma unha, vista como um risco fino no céu. Confesso que me emocionei ao ouvir esse verso pela primeira vez.

No verso seguinte, “a onça prisunha a cara de réu/ o pai do chiquêro a gata comeu”, a denominação “onça prisunha”, significa que ela tem uma unha adicional deslocada e é boa de caça, no caso, a presa foi o bode Seda Branca.

Dentro do contexto da letra da música, “foi um truvejo c’ua zagaia só/ foi tanto sangue de dá dó”, “truvejo” é uma metáfora do barulho do ataque da onça contra o bode e a expressão “c’ua zagaia só”, foi usada para descrever o ataque repentino e fulminante da onça, como se fosse um só golpe de lança.

Nos versos finais “os ciganos já subiro bêra ri/ é só danos, todo ano nunca vi/ paciênça, já num guento a pirsiguição/ já sô um caco véi nesse meu sertão/ tudo qui juntei foi só pra ladrão”, são apresentados os tormentos e a resiliência do narrador poético diante das dificuldades que o atormentam todo ano.

Na elaboração deste texto foram consultadas as seguintes fontes: 1.Simões, D. (org); Karol, L. e Salomão A. C. Língua e Estilo de Elomar. Rio de Janeiro: Dialogarts, 2006; 2.Navarro, F. Dicionário do Nordeste, Cepe Editorial: Recife, 2013; Elomar. 3.Na quadrada das águas perdidas, Álbum duplo, Vinil, com participações de Elena Rodrigues, Dércio Marques, Xangai e Carlos Pita, gravado no Seminário de Música da UFBA, Salvador-BA, 1979.

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