Blogs e Colunas

Agnello Amorim

Agnello Amorim

Membro da Academia de Letras de Campina Grande e procurador de justiça aposentado.

À sombra de O Maior São João do Mundo

Por Agnello Amorim
Publicado em 25 de maio de 2024 às 16:00

Continua depois da publicidade

Por onde tudo terminou — ou começou de novo (Parte 1)

Sete de julho de 2012. Era uma tarde de um sábado murcho e sombreado, em Campina Grande, no Parque do Povo, sob o teto da Pirâmide. A festa “O Maior São João do Mundo” de fogo morto há cinco dias. Iria ressurgir de suas próprias cinzas no ano seguinte, como uma fenix egípcia “made in Campina”.

Em tempos lenientes, alheios às regras de defesa do meio ambiente, falar-se-ia da persistente nostalgia do voo suicida do último balão — ou do borralho da última fogueira.

Restariam no ar traços de sons emitidos por alguma solitária sanfona, na madrugada delirante do final dos festejos?

E nos chãos do enorme espaço público teriam deixado rastros os pés dos turistas vitalícios, competidores, no arrasta-pé, da gandaia local, solta e sem compromisso?

As filas imensas, organizadas para a entrada dos forrozeiros no Parque do Povo eram, então, linhas enormes e compactas do povaréu em pranto. O poeta Ronaldo havia falecido pela manhã, e o seu corpo fora velado no Palácio da Redenção, na capital do Estado. Campina Grande seria o seu destino e fecho.

A viagem de retorno definitivo para a terra amiga não poderia ser mais significativa: numa urna, mesmo que funerária.

— Por que um São João maior do mundo e feito em Campina Grande?

— É o mais animado e esticado do planeta. Por enquanto, 31 dias — respondeu ao interlocutor, Mané Galego, amigo do poeta.

Esse Mané, biriteiro afamado, foi chamado um dia pra morar em Rondônia. Lá o dinheiro corria, disse-lhe o irmão. Mané respostou, por telegrama:

— Vou não! — Aqui tá parado e eu não pego.

A bebida foi um componente importante na trajetória política do vereador, deputado estadual, governador e senador Ronaldo Cunha Lima, pois esteve sempre a acompanhar a sua humorada poesia de encantos e buliços.

Mané Galego era um símbolo representativo desse eleitorado espontâneo, sincero e fiel. As histórias que surgiram em torno disso foram essenciais na formação de sua imagem pública.

Os fatos e feitos de sua vida de boemia, desde cedo, ressoaram na boca dos aficionados etílicos e nas violas alcoviteiras dos seus amigos repentistas. Espalharam-se das mesas do bar para a rua, invadindo o recesso de encontros familiares e áreas profanas.

As conversas de mesa de bar, barraca, birosca, botequim ou bodega deixam lembranças que não perecem nunca. Renovam-se a cada rodada e instante, por conta do contagiante esquecimento de autores e cúmplices, conforme o quanto do consumo. E daí nascem novas histórias que são as antigas, reformadas e sempre deformadas; e de qualquer forma, enriquecidas e com vocação à perenidade, cacimba que não seca nunca.

— Como vai D. Maria?

— Ronaldo, você me conhece de onde?

— De um bar.

— Oh cabra bom de memória!

Um voto e um devoto.

Muitos dos adversários —ou correligionários— foram até onde poderiam ter ido. Eram limitados.

Ronaldo não foi até aonde poderia ter ido, mesmo que para ele o céu fosse o limite.

Em tempos que sumiram, era considerado um político preparado, vencedor de eleição e de júri popular, conhecedor das leis, aprumado em literatura e orador de maestria e encantos, no galope livre do verso de pé quebrado.

As vitórias deviam-nas aos seus adversários; as adversidades ás suas circunstancias pessoais. Não as discutia.

Pelo sumário, o tempo histórico de Ronaldo foi mais importante que a sua trajetória individual, por a transcender.

Jose Américo afirmou que ” a solidariedade mais sólida é a que nasce da dor.

Para Ronaldo a solidariedade mais sólida era a que nascia dos líquidos. Um paradoxo, talvez. Um voto a mais, com certeza.

Muitos políticos — e até mesmo governadores do Estado da Paraíba — alcançaram maiores índices de ingesta etílica, mas nunca engarrafaram tanto voto como ele.

Quando do seu velório no Parque do Povo—obra de sua administração como prefeito de Campina Grande, inaugurada em 1986 e transformada em referência turística e histórica no Nordeste— imaginei, pra consumo próprio, que o poeta deveria ser enterrado ali, naquela pirâmide, onde, no momento, encontravam-se seus restos mortais, pois Ronaldo era uma espécie de faraó do povo.

No antigo e misterioso Egito as pirâmides serviam como túmulo para seus faraós. E como acreditassem no retorno à vida que antes desfrutaram, aqueles monumentos colossais funcionariam também como palácios.

Para os egípcios as pirâmides eram, na verdade, um símbolo de Poder. Eram erguidas também para a Glória e para o repouso da eternidade inaugurada com a morte.

Sabia-se que Ronaldo buscou o Poder em todos os instantes de sua trajetória política — nenhuma novidade aos do ramo — e a Glória ele havia conquistado pelo casamento, aos vinte e poucos anos de idade. Eram questões resolvidas.

Os hieróglifos — da antiga escrita egípcia — revelaram que as pirâmides serviam, também, como sepulcros das rainhas dos faraós. Repousariam cada, eternamente, contudo, em câmara separada, ao lado da câmara do soberano esposo.

Por estas plagas de serenos mistérios, exotismos brandos e nobreza extinta, diria Ronaldo, com certeza:

—Para a eternidade, e ao alcance da mão, unicamente a Rainha do engenho de Mozart Bezerra, lá de Bananeiras. E casco escuro, safra de 1968, ano da minha eleição para prefeito de Campina Grande.

 

 

Atenção: Os artigos publicados no ParaibaOnline expressam essencialmente os pensamentos, valores e conceitos de seus autores, não representando, necessariamente, a linha editorial do portal, mas como estímulo ao exercício da pluralidade de opiniões.

Valorize o jornalismo profissional e compartilhe informação de qualidade!

Continua depois da publicidade

ParaibaOnline

© 2003 - 2024 - ParaibaOnline - Rainha Publicidade e Propaganda Ltda - Todos os direitos reservados.