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Jornalista, Pós-Graduada em Comunicação Educacional, Gerente de Negócios das marcas Natura e Avon.
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Eita junho… mês de céu estrelado, cheiro de fumaça, milho na brasa e coração aquecido mesmo com o friozinho da roça. Pelo menos assim o era lá no sertão. E se tem trio mais celebrado que Santo Antônio, São João e São Pedro, sinceramente, eu desconheço. Cada um com sua missão, seu dia especial e seus milagres muito bem encomendados pelas mãos dos devotos (alguns mais ousados que outros, é verdade…).
Santo Antônio, o mais requisitado (e mais judiado também)
O mês começava com o alvoroço das moçoilas, todas animadas, contando os “feitos milagrosos” da noite anterior. “Roubei a imagem do Santo Antônio da vizinha e botei ele de cabeça pra baixo no copo d’água!” – diziam com um sorriso maroto, como quem confessa uma travessura santa.
Confesso que, criança ainda, eu ficava angustiada. O pobrezinho ali, pendurado, parecendo estar de castigo! Devia estar agoniado, implorando pra resolver logo o problema amoroso de quem o amarrou. E ele resolvia, viu? Às vezes na primeira esquina! O problema é que marido bom mesmo é com São José, mas na pressa… Santo Antônio fazia o que podia.
A devoção era tanta que a imagem era quase sequestrada: escondida, ameaçada e só devolvida quando o anel surgia. Coisas do interior. Coisas do coração.
São João, o auge, o estouro da espiga!
Mas o ponto alto, o grande espetáculo do mês, era o dia de São João. Ow lindo São João! A casa dos avós virava um centro de operações. Desde cedo já se ouvia o burburinho da gente arrastando madeira do mato, rindo, empilhando galhos como quem constrói uma catedral de fé e alegria.
A paliçada crescia e com ela a nossa animação: “Esse ano vai ser a maior fogueira da história!” – apostávamos.
Na hora de acender, olhos vidrados. O tio Piano, figura lendária, surgia com a vara embebida de querosene, encarando a fogueira como um domador de fogo. Às vezes demorava, mas quando o estalo do primeiro graveto anunciava que a chama pegou, era uma euforia danada.
As roupas eram finas demais pro frio do mato? Eram. Mas quem ligava? O calor da fogueira bastava. Não tinha fogos nem balões – nem se conhecia isso. Mas tinha milho assado na vara, cozido na palha, e um riso fácil que iluminava mais que qualquer rojão.
Bebida? Quase nada. Talvez uma cachacinha circulando entre os adultos, tão discreta que a gente só veio suspeitar depois de grande, com a maldade da idade.
Tinha mesmo era fartura: pamonha, canjica, café e mais café. E a lendária pamonha de forno da Madrinha Nova! Um milagre culinário que surgiu da falta de palha e da criatividade de quem já ralava milho com os dedos (literalmente!). A cozinha ficava tão salpicada de milho que mais parecia ter nevado amarelo.
A arte de dobrar a palha era quase um balé. As crianças ajudavam, enrolavam os fios de palha e torciam pra ver se alguma pamonha estourava da panela. Nunca estouravam. Sumiam todas num mergulho, e rápido!
São Pedro, o fim da festa (mas com alma de começo)
E então vinha ele, São Pedro, fechando o mês com sua chave na mão. As fogueiras já eram menores, a energia mais serena, mas ainda assim bonita. O céu já tinha se despedido da euforia de São João, e a gente já ia dormir mais cedo – mas com o mesmo cheiro de fumaça no cabelo e os pés sujos de terra boa.
Lembro bem do pulo sobre as cinzas no dia seguinte. Brincadeira boa até uma das primas se queimar. Depois disso, os adultos madrugavam pra varrer a fogueira antes que a gente acordasse. Coisa de cuidado, de amor.
São João, naquele tempo, era como o Natal: familiar, íntimo, sagrado. Hoje a festa cresceu, virou espetáculo – e isso também é bonito. Mas a gente precisa lembrar que por trás da roupa xadrez e do chapéu de palha, tem uma fé antiga. São João é o precursor de Jesus, aquele que batizava nas águas e acendia a esperança.
Santo Antônio não é só casamenteiro (apesar de ser o mais requisitado das solteiras), e São Pedro não é só o dono da chave do céu: ele é o padroeiro dos pescadores e o primeiro papa da Igreja.
Que a gente não se esqueça disso.
Que as festas continuem, sim, com alegria, música, bandeirinha e milho cozido. Mas que também sirvam de lembrança e reverência. Que conheçamos melhor esses santos, suas histórias e suas missões. Porque quanto mais a gente entende, mais bonito fica.
E que nossas crianças, assim como nós fomos um dia, possam crescer com o cheiro dos nossos sabores no cabelo – já que as fogueiras estão proibidas – os dedos manchados de milho e o coração cheio das memórias mais doces guardadas na caixa dos dias mais felizes.
Viva Santo Antônio! Viva São João! Viva São Pedro! E viva nossas raízes!
Atenção: Os artigos publicados no ParaibaOnline expressam essencialmente os pensamentos, valores e conceitos de seus autores, não representando, necessariamente, a linha editorial do portal, mas como estímulo ao exercício da pluralidade de opiniões.
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