Blogs e Colunas

Madalena Barros

Madalena Barros

Jornalista, Pós-Graduada em Comunicação Educacional, Gerente de Negócios das marcas Natura e Avon.

A Professora, a Bicicleta e a Tora de Pau

Por Madalena Barros
Publicado em 2 de maio de 2025 às 14:08

Continua depois da publicidade

Nada como abrir gavetas da memória para encontrar boas histórias.

Esta que trago hoje é real e foi contada numa tarde de sábado em um salão de beleza, prendendo a atenção e causando uma surpreendente risada coletiva.

Era uma vez — como toda boa história que se preze — uma professora. Não lembro seu nome, mas a história ficou gravada como penteado de salão: firme, marcante e impossível de esquecer.

O cenário era digno de filme de suspense: rua Aprígio Nepomuceno, nos tempos em que o shopping Partage ainda era um sonho inicial com suas primeiras fundações.

A rua parecia uma mistura de cidade fantasma com obra inacabada. Casas com muros altos, raros ônibus indo ou vindo da rodoviária, e um silêncio tão profundo que dava pra ouvir o pensamento — o que, convenhamos, nunca é bom sinal em lugar deserto.

A professora seguia seu caminho para a escola da esquina, (que ainda existe e a professora certamente aposentada), provavelmente já planejando onde ia esconder as tintas guache antes que algum aluno decidisse fazer arte moderna nas paredes.

Eis que surge, do nada, uma bicicleta. Mas não qualquer bicicleta. Uma bike novinha, dessas de propaganda para ciclista apaixonado por trilhas e longos pedais, pilotada por um rapaz jovem, bonito, bem vestido… e suspeito o suficiente para acender todas as luzes de alerta.

Ele se aproxima com gentileza e voz mansa: — Com licença, que horas são?

Ela, educada, respondeu: — Meio-dia e vinte.

E antes que pudesse seguir seu caminho, eis que o bonitão revelou sua verdadeira face: sacou uma faca digna de churrasco de sábado e, com a calma de um vilão de novela das nove, decretou: — Não grite. Me entregue a bolsa, a mochila e esse relógio aí, que eu sei que tá funcionando.

Na calçada, entulhos e galhos de árvore, de vários tamanhos e espessuras compunham o cenário — ou melhor, a armadilha do destino. A professora, num misto de medo e instinto, entregou a bolsa, o relógio e começou a tirar a mochila. Mas, ao deixá-la propositadamente cair no chão, encontrou, não só coragem, mas também uma belíssima “tora de pau”. E como num passe de mágica (ou de adrenalina), virou com tudo e VRAAA: golpe certeiro na cabeça do meliante.

O rapaz desabou como se tivesse perdido o ENEM ou tomado anestesia e arriou. Ela, ainda trêmula, recuperou seus pertences, guardou a faca como troféu de guerra, e não pensou duas vezes: montou na bicicleta — sim, na bicicleta dele! — e pedalou até a escola com a firmeza de quem não apenas dá aula, mas agora protagoniza filmes de ação.

Lá chegando, escondeu a bike, tomou água, agradeceu aos céus e foi dar aula como se nada tivesse acontecido, embora por dentro estivesse com uma tsunâmi.

Só que algo tinha mudado. Ela tinha virado uma chavinha. E, no dia seguinte, pra selar a transformação, foi ao salão mais próximo e disse à cabeleireira: — Quero mudar. Corta, repica e me deixa loira!

Dito e feito. No outro dia, entrou na escola causando mais impacto que reforma curricular. Ninguém a reconheceu. Nem os alunos, nem as colegas — talvez nem ela mesma.

Rimos muito dessa história no salão. Aplaudimos a bravura e a tora de pau milagrosa. E, sim, sabemos que violência nunca é a melhor resposta, mas como diz o ditado: “ladrão que rouba ladrão…” bom, vocês sabem o resto.

Voltei pra casa pensando: quantas de nós carrega uma tora invisível, pronta pra ser usada quando a vida exige? Sempre dizemos: “Ah, se fosse comigo…” Mas a verdade é que só sabemos do que somos capazes quando o perigo nos pega de surpresa — como uma bicicleta bonita em uma rua deserta.

A pergunta que fica é: estamos preparadas? Provavelmente não. Mas, quando chega a hora, “a tora” aparece. E com ela, uma mulher que talvez nem desconfiássemos, existir dentro de nós.

E assim terminou a saga de uma professora que dava aulas de arte e, sem querer, ensinou a melhor lição de todas: a de que até nos becos mais desertos, com um bom pedaço de pau e coragem no peito, é possível mudar o roteiro da história.

E para dar um final a altura da façanha, antes de pedalar rumo a seu destino rotineiro, com a faca do ladrão na mochila, montada na mais leve bicicleta e a dignidade intacta, ela ainda pensou em voltar e escrever na testa dele com seu suprimento de tinta guache: “Estudar e se qualificar é necessidade, pois até para ser ladrão precisa ter competência; caso contrário…. leva pau.”

 

Atenção: Os artigos publicados no ParaibaOnline expressam essencialmente os pensamentos, valores e conceitos de seus autores, não representando, necessariamente, a linha editorial do portal, mas como estímulo ao exercício da pluralidade de opiniões.

Valorize o jornalismo profissional e compartilhe informação de qualidade!

Continua depois da publicidade

ParaibaOnline

© 2003 - 2025 - ParaibaOnline - Rainha Publicidade e Propaganda Ltda - Todos os direitos reservados.

Embalagens em papelão Notícias de João Pessoa Baterias para Carros e Motos em Campina Grande e João Pessoa Sindilojas Campina Grande