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Professor Titular aposentado do Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).
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Este texto foi elaborado a partir da lembrança de um episódio do programa “Contos que a Noite Conta”, criado pelo jornalista e teatrólogo Evandro Barros e apresentado na Rádio Borborema, em Campina Grande, na década de 1980, por volta das dez e meia da noite. O programa tinha como característica musical de abertura a peça “Tocata e Fuga em Ré Menor” (BWV 565), de Johann Sebastian Bach.
Em uma noite abafada de verão, o caminhoneiro conhecido por Zé Lacraia cruzava a BR-230, vindo de Campina Grande (PB), com destino a Patos (PB). O relógio marcava por volta de meia-noite, e a estrada parecia completamente tomada pela escuridão. Só os faróis do caminhão rasgavam a noite como duas lâminas de luz.
Quando se aproximou da Ladeira de Santa Luzia, conhecida antigamente como Ladeira da Viração, ele avistou uma silhueta parada no acostamento: era uma jovem que trajava um vestido branco, cabelos longos e escuros, com os braços cruzados junto ao peito. Curioso, Zé diminuiu a marcha e parou o veículo. Afinal, não era sensato alguém andar por ali àquela hora.
— Boa noite, moça! Tá precisando de ajuda? — perguntou ele, abrindo a porta.
A jovem sorriu. Tinha o rosto pálido, bonito, mas de um branco que reluzia feito porcelana sob a luz dos faróis.
— Boa noite, seu moço! Se o senhor puder me deixar mais adiante… Eu moro ali, na última curva da ladeira.
Sem pensar muito, o motorista a deixou subir. A moça sentou ao lado, calada, olhando pela janela. De vez em quando, ele tentava puxar conversa:
— A noite tá quente, né?
— É… — sussurrou ela. — Mas eu já tô acostumada com o calor do sertão.
O silêncio voltou a se instalar e o caminhão seguia seu rumo. Para romper o silêncio, o motorista ligou o rádio e sintonizou uma emissora. Talvez por coincidência, naquele momento, a música executada era a enigmática e fantasmagórica “A Whiter Shade of Pale” (“Um tom mais branco que o pálido”), grande sucesso da banda Procol Harum, lançado em 1967.
O vento soprava leve e, de repente, um perfume forte, parecido com o de flores de velório, invadiu a cabine.
Um arrepio percorreu a coluna de Zé Lacraia e ele, incomodado, balançou a cabeça.
— Que cheiro é esse, minha jovem? Parece cravo … ou jasmim.
Ela nada respondeu — apenas sorriu, mantendo o olhar fixo na escuridão à frente.
Quando o caminhão contornava a última curva, ela disse gentilmente:
— Pode parar, por favor. É aqui que eu moro.
Ele freou devagar, parou o veículo e abriu a porta para ela descer. Nas proximidades, não havia casas, nem uma única luz, nem cercas — só o vento uivando entre as pedras e os galhos secos da vegetação rala. Ao longe, ouvia-se apenas o piar de uma coruja. A moça desceu em silêncio, agradeceu com um aceno de mão e sumiu na escuridão da noite.
Zé Lacraia esperou alguns segundos e deu partida no caminhão, olhou pelo retrovisor… nada, nenhum vulto. Outra vez, sentiu o arrepio subir pelas costas. Engatou a primeira e seguiu viagem, tentando esquecer o estranho encontro.
Na manhã seguinte, voltando pelo mesmo trecho, a luz do Sol iluminava o barranco onde ele deixou a passageira misteriosa na noite passada. Foi então que pôde ver uma cruz branca, recentemente pintada, fincada na beira da estrada, do lado direito.
Ele parou o caminhão no acostamento, se aproximou da cruz e, para sua surpresa, viu o retrato de uma mulher preso ao centro. O rosto era o mesmo da jovem que ele dera carona na noite anterior. Abaixo da cruz havia uma placa com os seguintes dizeres:
“Aqui faleceu Maria das Dores, aos 23 anos, em 10 de dezembro de 1985.”
Zé Lacraia ficou alguns minutos parado, meditando sobre o ocorrido. Depois, deu partida no caminhão e foi embora, sem olhar para trás.
Não sei se ele voltou a percorrer o mesmo trajeto, mas outros motoristas já disseram que, nas madrugadas sem Lua, viram o vulto de uma moça de vestido branco pedindo carona — em uma das curvas da Serra de Santa Luzia.
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