Fechar
O que você procura?
Blogs e Colunas
Jornalista, Pós-Graduada em Comunicação Educacional, Gerente de Negócios das marcas Natura e Avon.
Continua depois da publicidade
O primeiro capítulo do Gênesis descreve a criação do mundo como um ato ordenado, belo e profundamente intencional. Em seis dias, Deus cria os céus e a terra, separa a luz das trevas, organiza as águas, faz surgir a terra seca e a vegetação, estabelece os luminares do céu, cria os animais do mar, do ar e da terra. Tudo nasce da Palavra. Tudo é chamado à existência pelo amor. E, por fim, como ápice dessa obra, Deus cria o ser humano à Sua imagem e semelhança.
Esse detalhe não é apenas teológico; é profundamente filosófico. O ser humano não é um acidente do cosmos, nem um simples elo da cadeia biológica. Ele nasce do excesso de amor. Antes mesmo de existir, já era amado. E talvez por isso Deus nos tenha dado o maior e mais perigoso dos dons: o livre-arbítrio. Um presente ambíguo, capaz de nos elevar à bênção ou nos conduzir à perdição.
A história humana mostra como esse dom foi, muitas vezes, mal utilizado. A humanidade começou a tomar atalhos pouco recomendáveis, a se afastar da estrada, a se perder no caminho. Seduzida pelas ilusões do mundo, mergulhou na materialidade, na idolatria de falsos deuses, na ignorância espiritual e na autossuficiência. O ser humano, criado para refletir Deus, passou a querer substituí-Lo.
E então ocorre algo que nenhum filósofo poderia prever por pura razão: Deus desce. O Deus que cria no plural, Pai, Filho e Espírito Santo, não permanece indiferente ao destino da Sua maior criação. Descontente com o rumo que tomávamos, Ele não destrói, não recomeça, não abandona. Ele se encarna.
Aqui está o núcleo daquilo que, na missa de Natal, ouvi ser chamado de a humilhação de Deus. O Verbo eterno, gerado e não criado, a mesma Palavra que deu forma ao universo, aceita caber num ventre humano. Pela mesma inspiração que criou todas as coisas, Deus fecunda uma jovem simples, pura e virginal, escolhendo-a para ser Sua Mãe. O infinito se faz finito. O eterno entra no tempo. O Todo se submete à fragilidade.
Deus não nasce em palácios, nem em castelos suntuosos. Depois de muitas tentativas frustradas de hospedagem, nasce onde sobra espaço: numa manjedoura. Segundo estudos históricos, não um estábulo romântico, mas uma abertura numa rocha, onde animais se abrigavam do frio nos invernos rigorosos. É nesse lugar rude e esquecido que nasce o Rei dos Reis. O Criador do mundo aceita o chão duro, o cheiro dos animais, a precariedade.
Essa é a humilhação de Deus: tornar-se humano como nós. Vulnerável à fome, ao frio, ao cansaço, à dor. Exposto à maldade humana, à rejeição, à violência, cujo desfecho todos conhecemos. Nada disso era necessário. Deus não precisava se humilhar por nós. Mas o amor não age por necessidade; age por doação.
Essa constatação sempre me leva à mesma pergunta, que se renova a cada Natal: se José e Maria batessem à minha porta, grávida de Jesus, eu a acolheria? Alguém na minha rua acolheria? Na minha cidade? É verdade que existem casas de acolhida, mas também vemos, ainda hoje, mulheres dando à luz nas calçadas de hospitais, por falta de cuidado, de empatia, de humanidade. Mudam-se os endereços, mas a história se repete.
Ritualisticamente, o Natal renova o nascimento de Jesus todos os anos. Mas, muitas vezes, nos perdemos nos detalhes: luzes, presentes, compromissos, e deixamos o essencial em segundo plano. Faço aqui minha própria mea culpa. Não fui à igreja na véspera de Natal. Mas, no dia 25, senti a necessidade de saciar uma sede mais profunda. Fui à missa e foi uma das melhores decisões dos últimos tempos.
Compreendi, com mais clareza, que diante de tamanha humilhação à qual o próprio Deus se submeteu, o mínimo que me resta é ser mais sensível a esse sacrifício. Mais atento ao outro. Mais consciente da dor alheia. Mais responsável pelo dom da liberdade que recebi.
A humilhação de Deus não diminui Sua grandeza; pelo contrário, revela-a. Um Deus que se rebaixa por amor é maior do que qualquer poder que se imponha pela força. Seu amor é tão infinito que nossa vã humanidade mal consegue tocar suas bordas, quanto mais compreendê-lo por inteiro. Talvez o Natal seja exatamente isso: o convite anual para tentar, mais uma vez, acolher esse Deus que insiste em bater à nossa porta.
Atenção: Os artigos publicados no ParaibaOnline expressam essencialmente os pensamentos, valores e conceitos de seus autores, não representando, necessariamente, a linha editorial do portal, mas como estímulo ao exercício da pluralidade de opiniões.
Continua depois da publicidade
© 2003 - 2025 - ParaibaOnline - Rainha Publicidade e Propaganda Ltda - Todos os direitos reservados.