O papa e a inteligência artificial
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Chegou pra ficar
A inteligência artificial (IA) está – para o bem ou para o mal – na ordem do dia do mundo, com avanços fantásticos e oportunidades impensáveis de ajudar e até mesmo socorrer o ser humano, mas igualmente com o condão de mutilar vidas e de ser usada para a prática de maldades de forma desmedida e em escala até mundial.
Não é possível colocar uma fenda nos olhos e fazer de conta que a chamada IA não existe ou que ainda está distante de nossa realidade.
O mais recomendável caminho e procurar conhecê-la minimamente e – principalmente – se precaver de seu lado pérfido e impessoal.
Reflexão
Recentemente, o papa Francisco abordou a IA com a divulgação de sua mensagem alusiva ao Dia Mundial das Comunicações Sociais.
Extrato
APARTE, nesta edição especial, compartilha a seguir trechos dessa reflexão papal, salientando que, no campo da comunicação social, cada vez mais será IMPRESCINDÍVEL que as pessoas busquem fontes confiáveis e credenciadas, pelo acumular dos anos, para se informar de maneira correta, consequente e cidadã.
Alcance
“A evolução dos sistemas da chamada ´inteligência artificial´ está a modificar de forma radical também a informação e a comunicação e, através delas, algumas bases da convivência civil. Trata-se duma mudança que afeta não só aos profissionais, mas a todos.
Antagonismo
“A rápida difusão de maravilhosas invenções, cujo funcionamento e potencialidades são indecifráveis para a maior parte de nós, suscita um espanto que oscila entre entusiasmo e desorientação.
Encarar
“Antes de mais nada, convém limpar o terreno das leituras catastróficas e dos seus efeitos paralisadores. Já há um século Romano Guardini (padre e escritor italiano, já falecido), refletindo sobre a técnica e o homem, convidava a não se inveterar contra o ´novo´ na tentativa de ´conservar um mundo belo condenado a desaparecer´.
Advertência
“Ao mesmo tempo, porém, com veemência profética advertia: ´O nosso posto é no devir. Devemos inserir-nos nele, cada um no seu lugar (…) aderindo honestamente, mas permanecendo sensíveis, com um coração incorruptível, a tudo o que nele houver de destrutivo e não-humano´.
Interpretação
“Neste tempo que corre o risco de ser rico em técnica e pobre em humanidade, a nossa reflexão só pode partir do coração humano. Somente dotando-nos dum olhar espiritual, apenas recuperando uma sabedoria do coração é que poderemos ler e interpretar a novidade do nosso tempo e descobrir o caminho para uma comunicação plenamente humana.
Condutor
“O coração, entendido biblicamente como sede da liberdade e das decisões mais importantes da vida (…) A sabedoria do coração é a virtude que nos permite combinar o todo com as partes, as decisões com as suas consequências, as grandezas com as fragilidades, o passado com o futuro, o eu com o nós.
“Falacioso”
“Não podemos esperar esta sabedoria das máquinas. Embora o termo inteligência artificial já tenha suplantado o termo mais correto utilizado na literatura científica (aprendizagem automática), o próprio uso da palavra ´inteligência´ é falacioso.
Intransferível
“É certo que as máquinas têm uma capacidade imensamente maior que os seres humanos de memorizar os dados e relacioná-los entre si, mas compete ao homem, e só a ele, descodificar o seu sentido.
“Delírio”
“Não se trata, pois, de exigir das máquinas que pareçam humanas; mas de despertar o homem da hipnose em que cai devido ao seu delírio de onipotência, crendo-se sujeito totalmente autónomo e autorreferencial, separado de toda a ligação social e esquecido da sua condição de criatura.
Dois caminhos
“Cada coisa nas mãos do homem torna-se oportunidade ou perigo, segundo a orientação do coração. O próprio corpo, criado para ser lugar de comunicação e comunhão, pode tornar-se instrumento de agressão.
Trilha
“Da mesma forma, cada prolongamento técnico do homem pode ser instrumento de amoroso serviço ou de domínio hostil. Os sistemas de inteligência artificial podem contribuir para o processo de libertação da ignorância e facilitar a troca de informações entre diferentes povos e gerações.
“Poluição”
“Mas simultaneamente podem ser instrumentos de ´poluição cognitiva´, alteração da realidade através de narrações parcial ou totalmente falsas, mas acreditadas – e partilhadas – como se fossem verdadeiras.
´Fakes´
“Basta pensar no problema da desinformação que enfrentamos, há anos, no caso das fake news (notícias falsas) e que hoje se serve da ´deep fake´, isto é, da criação e divulgação de imagens que parecem perfeitamente plausíveis mas são falsas (já me aconteceu a mim também ser objeto delas), ou mensagens-áudio que usam a voz duma pessoa, dizendo coisas que ela própria nunca disse.
Ambivalência
“Já desde a primeira vaga de inteligência artificial – a das redes sociais – compreendemos a sua ambivalência, constatando a par das oportunidades também os riscos e as patologias.
Não há neutralidade
“Por conseguinte é importante ter a possibilidade de perceber, compreender e regulamentar instrumentos que, em mãos erradas, poderiam abrir cenários negativos. Os algoritmos, como tudo o mais que sai da mente e das mãos do homem, não são neutros.
Prevenção
“Por isso é necessário prevenir propondo modelos de regulamentação ética para contornar os efeitos danosos, discriminadores e socialmente injustos dos sistemas de inteligência artificial e contrastar a sua utilização para a redução do pluralismo, a polarização da opinião pública ou a construção do pensamento único.
Questionar
“Somos chamados a crescer juntos, em humanidade e como humanidade (…) Cabe a nós questionar-nos sobre o progresso teórico e a utilização prática destes novos instrumentos de comunicação e conhecimento.
Reducionismo
“As suas grandes possibilidades de bem são acompanhadas pelo risco de que tudo se transforme num cálculo abstrato que reduz as pessoas a dados, o pensamento a um esquema, a experiência a um caso, o bem ao lucro, com o risco sobretudo de que se acabe por negar a singularidade de cada pessoa e da sua história, dissolvendo a realidade concreta numa série de dados estatísticos.
Vertentes
“A revolução digital pode tornar-nos mais livres, mas certamente não conseguirá fazê-lo se nos prender nos modelos designados hoje como ´câmera de eco´. Nestes casos, em vez de aumentar o pluralismo da informação, corre-se o risco de se perder num pântano anônimo, favorecendo os interesses do mercado ou do poder.
Profissionalismo
“A utilização da inteligência artificial poderá proporcionar um contributo positivo no âmbito da comunicação, se não anular o papel do jornalismo no local, antes pelo contrário se o apoiar; se valorizar o profissionalismo da comunicação, responsabilizando cada comunicador; se devolver a cada ser humano o papel de sujeito, com capacidade crítica, da própria comunicação.
Algumas…
“E surgem, espontâneas, algumas questões: Como fazer com que as empresas que desenvolvem plataformas digitais assumam as suas responsabilidades relativamente ao que divulgam? Como tornar mais transparentes os critérios subjacentes aos algoritmos de indexação e desindexação, capazes de exaltar ou cancelar pessoas e opiniões, histórias e culturas?
… Indagações
“Como tornar evidente a paternidade dos escritos e rastreáveis as fontes, evitando o ´para-vento´ do anonimato? Como deixar claro se uma imagem ou um vídeo retrata um acontecimento ou o simula? Como evitar que as fontes se reduzam a uma só, a um pensamento único elaborado algoritmicamente?
Lado a lado
“Dum lado, vemos assomar o espetro duma nova escravidão, do outro uma conquista de liberdade; dum lado, a possibilidade de que uns poucos condicionem o pensamento de todos, do outro a possibilidade de que todos participem na elaboração do pensamento”.
“Depende de nós”
Ainda o papa Francisco: “A resposta não está escrita; depende de nós. Compete ao homem decidir se há de tornar-se alimento para os algoritmos ou nutrir o seu coração de liberdade, sem a qual não se cresce na sabedoria. Esta sabedoria amadurece valorizando o tempo e abraçando as vulnerabilidades.
“Cresce na aliança entre as gerações, entre quem tem memória do passado e quem tem visão de futuro. Somente juntos é que cresce a capacidade de discernir, vigiar, ver as coisas a partir do seu termo”.
´Rebuliço´ pros lados de João Pessoa…
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