Encruzilhada democrática
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Déficit participativo
Afinal, estamos chegando ao término de uma campanha eleitoral muito atípica nas duas maiores cidades paraibanas, pelo menos em termos de turno inicial. Na verdade, a constatação espalha-se pelo país.
De forma segura e cientifica, acaba sendo temerário cravar se Campina Grande e João Pessoa poderão definir os seus prefeitos já neste domingo, sem a necessidade de um turno suplementar.
´Sem liga´
O restrito envolvimento popular com o processo eleitoral salta à vista, numa evidente sinalização da acanhada empatia com os concorrentes envolvidos na disputa.
Desapontamento
Igualmente, atesta-se a manifestação do desencanto diante das expectativas nutridas quanto à efetividade de políticas públicas que deveriam atender cotidianamente, com qualidade, ao eleitor no seu figurino mais permanente, que é o de cidadão.
Cerceamento
A bem da verdade, deve ser mencionado que os sucessivos tolhimentos na participação popular e dos candidatos numa disputa eleitoral também contribuem para esse ´engessamento´ das campanhas, cada vez mais confinadas à mídia eletrônica intensiva, e muitas vezes repugnante por conta dessa superexposição.
O que sobrou
Restam (ainda) as entrevistas e debates nos meios de comunicação, que a partir de determinada fase da campanha passam a orbitar sobre temas recorrentes; e ambiente desregrado e predador das redes sociais.
Garimpo
Antes de avançar nessas reflexões sobre as eleições municipais, é pertinente resgatar trechos de recente entrevista da ministra Carmen Lucia, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ao jornal O Globo.
“Atrevimento”
Crime organizado nas campanhas: “É bastante grave e não pode ser subestimada (…) Bastante grave, especialmente considerando a ousadia do crime de querer ser o formulador de leis. Há um risco real de que esse comportamento se estenda às instâncias estaduais e até nacionais. É grave esse atrevimento criminoso.
“Vigilância permanente”
“O poder público deve agir de forma a reduzir a violência. Como pode alguém que se apresenta de forma agressiva ser um pacificador quando assumir o cargo? (…) A democracia exige vigilância permanente.
Inovação
“Pela primeira vez, determinei que houvesse um juiz em todos os municípios brasileiros no dia da eleição. Essa estratégia foi implementada para que os eleitores se sintam seguros e protegidos, tanto física quanto legalmente, em todo o território nacional.
Acomodação
“Precisamos ter canais específicos de denúncia para apuração. O brasileiro reclama, mas não reivindica. E nós, brasileiras, precisamos aprender a reivindicar”.
Hibernação
Ao adentrarmos nas especificidades da disputa em curso pelo país, abre-se um leque considerável de constatações, de deformações e até mesmo de mutação de como os eleitores encaram as campanhas eleitorais, com o outrora valorizado e predominante carisma em queda livre, abrindo espaço para a preocupante indiferença ao processo decisório.
Troca
Ou o que é ainda pior: expressivas fatias do eleitorado estão escancaradas para o pragmatismo desmedido, o que em bom português significa a conversão do voto em moeda de custo ínfimo, diante de sua relevância democrática.
Ação orquestrada
Acontece que em muitas partes do Brasil, e a Paraíba desgraçadamente está bem situada nesse ranking, o processo eleitoral tem sido invadido e se quedado à força financeira e à força bruta e atemorizadora do chamado ´crime organizado´, que parece predisposto não só a se confrontar com os ditos poderes constituídos, mas também (e simultaneamente) tem agido para corroê-lo por dentro e usando um dos próprios instrumentos de legitimação: o voto.
´Bancadas´
Tal como os cupins atuam no interior das árvores, dilacerando-a veloz e imperceptivelmente, o mundo paralelo e poderoso do tráfico de drogas e das organizações criminosas de múltiplas facetas entendeu de financiar – e em alguns casos coercitivamente impor – lideranças para que legalmente passem a atuar na defesa de seus interesses ou em proteção às ações paralelas.
Reprodução…
Por analogia, podemos comparar ao universo da mitologia grega, com a sua celebre expressão, nem sempre bem assimilada ou aquilatada, da ´caixa de pandora´, na qual os deuses teriam depositado todas as maldades do mundo.
… Mitológica
Zeus, supremo mandatário dos deuses, recomendou a Pandora que a ´caixa´ nunca deveria ser aberta, por ser quase impossível tentar fechá-la posteriormente.
Incontida
A curiosidade de Pandora a fez desobedecer a orientação de Zeus.
Ao abrir a caixa, liberou todos os males.
Outro equívoco
Em tardio arrependimento, Pandora fechou a caixa e sufocou a única coisa alentadora que nela estava contida e que não havia saído em fuga: a esperança.
Sem contenção
De volta à realidade. A abertura do segmento já naturalmente conturbado da política partidária à ação do crime organizado, como forma de facilitar os triunfos ou amedrontar adversários de ocasião, representa um sério precedente aberto entre nós, a começar pelo simples fato desse submundo marginal ignorar e não tolerar limites.
Bem-vindos ao insondável
Está aberta, à luz do dia, a temporada de infiltração do crime organizado e de suas ramificações no universo institucional do país.
O que era uma participação tópica, disfarçada e sorrateira caminha para a legitimação gradual.
É estúpido, amargo e desumano o que estamos legando às futuras gerações.
“O voto é o exercício de um poder”…
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